Carefull With That Machado, Assis.



Então existia aquele olhar oblíquo do Bruxo sobre as estrelas, sob as mentiras, mentiras, mentiras

De cara, foi mágico. Devaneei com meu mais novo amigo Joaquim, que objetava havia um tempo. Todo de azulejos de cerâmica o encontrei, lindo. Ontem à tarde, depois que buzinou o furgão. E era o carteiro. E eu estava em casa para recebe-lo, em forma de presente a mim mesmo: uma coletânea de contos do sr. Machado de Assis: “Páginas Recolhidas & Relíquias de Casa Velha”. Coração disparado, boca seca, cabeça em transe: ôh yeah!

 Acontece que brigo com Machado há tempos. Quando estava no ensino fundamental, lembro-me que sexta-feira era dia de leitura. A professora aparecia na sala de aula com pajens que soltavam na soleira da porta uma caixa com dezenas de livros e decretava: - Guardem todo o material&façam silêncio! O primeiro que desobedecer vai ter uma conversinha com a Dona – dragão – Maristela! Porque é aula de leitura e vou ChamarUmPorUmParaPegarUmLivro! (desse jeito mesmo: alto, rouco e grudado). Escândalo. Isso foi lá por idos 2001 até 2004, que na minha cabeça não esta tão distante assim.

Quando finalmente chegava a minha vez de escolher um título daquela caixinha mágica, sobrava-me somente Dom Casmurro, Dom Casmurro Adaptado por Fulana de Tal, Contos Fluminenses (poxa, eu odeio futebol...(!))... E eu com as palmas das mãos molhadas, ansiando pelas capas coloridas do Sítio do Pica-Pau Amarelo ou dos Contos de Fadas. Resultado: a caixinha mágica secretamente operava a metamorfose na de Pandora, e eu me via em seu lugar, tendo que me virar com todos aqueles males indigestos para eu, criança resolver.

Hoje, com o monumento ao chão, fui ler os livros. Lindo. Machado executa verdadeiros instrumentos da sinceridade em suas narrativas: zomba, refina, despreza, purifica, denuncia.

_______Foto da edição linda que a Wmf Martins Fontes publicou._______

Junto com Joaquim Maria Machado de Assis subi ladeiras, achei igrejas abertas e entrei. Mirei os altares na proporção que ele como Virgílio, ia guiando-me por terras tupiniquins. Mas em pouco tempo o espetáculo era ele só, um espetáculo vivo, como se tudo renascera tal qual era em imaginação evocativa. Grande prenda desse homem, que sabia dar vida às cousas extintas e realidade às inventadas.

Deliciei-me com a ironia ampla dos temperos alegóricos do conto “O dicionário”. Revoltei-me em “Pai contra mãe”, história que evidência a dualidade cruel entre as situações do branco Cândido “Neves”, sua mulher “Clara” e da escrava mulata fugida Arminda. Perdi-me em elucubrações do delicado conto “Marcha fúnebre”, onde o protagonista “Cordovil” ponha-se a conjeturar sobre a própria morte (gente, o que é o final desse conto?!) e sobretudo me emputeci no conto “O caso da vara”! (O que é aquela sinhá Rita? Oh mulher mais sem coração! Que dó da Lucrécia... Vocês não acharam não?) Não sei a razão, mas ao ler este conto, lembrei da dona “Constança” daquela novela “Lado a lado”. Quem lembra? Quer dizer, o tempo inteiro mergulhado nos contos, eu associava o ambiente com o dessa novela. *Rindo aqui eternamente*

__Reveja as pérolas da ex-baronesa de língua afiada: http://zip.net/bll3lp__

Efeito que hoje adoro o “estilo machadiano”, o Sound and Vision do bruxo. Feitiço perpassando casamentos, tem intertextualidades na veia, ponhe o machismo na berlinda, revisita lembranças dançando em profusão nos dizendo que tem “carniça epalmatória bem no teu portão”. Tudo em profusão de espelhos. Tudo pelos ares nos ares de requintes que só o jeitinho do autor soube dar.

Está certo que muita coisa foi rompida desde aquela época, e o Brasil hoje é outro. É outro, mas também tem Mais do mesmo. Já que citei versos agora pouco que vi Elis Regina cantar, olha a interpretação que ela faz dessa canção, que ao meu ver fez escola no Realismo:


 E eu adoro tudo isso. Sinto-me mais inteligente ao ler Machado de Assis. Sinto-me falando mais chique e escrevendo melhor. Acontece o mesmo com vocês? Admiro-o por conseguir ser o que foi, sobretudo ciente de sua raça e sua cor num tempo tão obscuro para nós brasileiros. Bem, ao lê-lo, visto a carapuça de um tempo que não é o meu, vivo o Brasil através de sua letra, a revelia de minhas bagagens culturais.

__Detalhe da ilustração do busto do Machado, feito por Marcos Lisboa.__

Enquanto isso, a vida de cada um corre sobre os trilhos do tempo, separadamente, porém em direção a uma via igual para todos, e no mesmo ritmo intenso daquele poema de Manuel Bandeira: café-com-pão, café-com-pão, café-com-pão (desse jeito mesmo: alto, rouco e grudado). Ponho um Pink Floyd no Discmen neste dia do leitor. “Relics”, reeditado em CD em 1996! Volto meus olhos para o livro e ta lá, “Relíquias de Casa Velha” e penso no negro Machado, cheio do poder discreto e afiado para conseguir contemplar a distância guerreira de todas essas bobageiras crenciosas nossa de cada dia, e ao entorno, essas resplandecentes almas virtuosas, sinceras e fortes que por vezes esbarramos. Carefull With That Machado, Leitor! Penso no Brasil, nas pessoas, caio na realidade dum lado e viajo em proporção estridente do outro. Penso. E a felicidade, no real, são as migalhas.

07/01/2014

2 comentários:

Lua . disse...

Só me identificando, mon enfant, só me identificando.

Anônimo disse...

Esta postagem lembrou-me de um episódio em que estávamos na mesa na hora do jantar conversando sobre Machado de Assis, eu, meu cunhado e minha irmã.Então, minha irmã solta essa: - Machado de Assis... Eu já ouvi esse nome... É um ator? Meu cunhado surta e responde: Machado de Assis, mulher! Fundador da Academia Brasileira de Letras,o escritor mais renomado do Brasil!E então ele não parou mais de falar sobre a vida e as obras de Machado de Assis. Falou tudo o que sabia sobre ele. Eu achei engraçado. Mais tarde eu comecei a ler algumas obras do Machado, eu quis imitar. Espero que muitas pessoas te imitem nesse teu amor pela literatura.