Verão de janeiro




Como diria Caio F.: “Dentro da manhã branca. Para dar um tempo, aterrissar de um livro e de alguns sonhos
 
Escrevendo na manhã de .-feira. Céu muito azul, Itapema 40ºC. Verão explícito no ar. As moças do armazém da esquina de casa vão à praia. Eu bebo café, abro a janela. Mando um e-mail para vários remetentes, para nenhum especial. Despedida súbita, provisória: vou ficar algum tempo sem escrever aqui, sem pensar aqui, vou ficar alguns dias na companhia de Clarice. Um pedaço porque vou viajar, pelo menos na leitura-válvula-de-escape desta cidade. Mas inevitavelmente porque preciso de tempo – me dar um tempo, sabe como é? Anda meio esvaziado. Nos últimos tempos, apostei as minhas fichas para não pensar. Às vezes, faça-se um exercício de despensar como se fosse para não morrer. Eu falo às vezes, mas questiono-me se não será sempre assim. De qualquer maneira, escolho Clarice, “A Cidade Sitiada”. E não que seja um livro denso, “triste”. Ao contrário: acho que é cheio de vida. Também não sei se tudo é assim, cheio de vida, não será sempre também um pouco triste. Volto logo, me deu dor de barriga. Depois conversamos.

Voltei. Agora, quando penso em janeiro parece tão longe. Meu pensamento não alcança até lá. Tanto mês pela frente, e o que acontecerá? Tenho andando impaciente, pensando que é muito complicado sobreviver – todas essas imagens simples, você dorme hoje, acorda amanhã, toma café da manhã, trabalha, faz outras coisas, dorme de novo, acorda no outro dia e assim por diante. Esse ciclo da vida tão natural que chega a ser quase automático, e portanto robô sem emoção nem espantos, tenho andado distraído, impaciente e indeciso... e sim, cheio de espantos. Por isso, necessito de Clarice, digo que Clarice resolve. 

Então, nesta .-feira peguei carona na ótica de Lucrécia Neves. Era uma guia: “tudo o que ela via era alguma coisa. Nela e num cavalo a impressão era a expressa. Na verdade função bem tosca – ela indicava o nome íntimo das coisas, ela, os cavalos e alguns outros; (...). “O que se vê” – era a sua única vida interior; e o que se via tornou-se a sua vaga história”. (p. 23). Fechei o livro. Tomei um susto, tomei um ar. Como um fantasma da ópera, com outro rosto, andei na galerinha de pinturas que Clarice executa, quem saberá – mas onde? Do outro lado da mesa, minha irmã toma sorvete enquanto conta seus planos para o final de semana. Massa né? Massa. Hãn? ah, eu você sabe, continuo aqui, bem, tenho escrito.

"A cidade sitiada" - Clarice Lispector
  Desculpa, não estou conseguindo. Depois de terminar o livro, depois de ter sonhado um pouco e me esforçar por não criar expectativa, resulta que fiquei meio esvaziado. Onde foi o enguiço? Hoje, não estou. Fui atropelado ao atravessar a rua como Clarice Lispector (sempre os melhores parâmetros). Oh, meu Brasil... - Oh, seu moço! Viver num mundo dentro de mim me fez invisível. Descasco uma bala, ponho-a na boca, o doce, lembrei e fiz fantasias, assim meu mundo era melhor que o de fora de mim. Quanto a nós – meio gauches, subsistentes desse tempo em que tudo não parece mudar – não resta muito mais a fazer senão resistir. Motivados por essa fantasia que empurra-nos para frente. E sempre se pode rezar baixinho aqueles velhos versos (“Consolo na praia”) de Drummond, que diz assim: Tudo somado, devias/ precipitar-te, de vez, nas águas./ Estás nu na areia, no vento.../ Dorme meu filho”.


1 comentários:

Mi Lôra disse...

Bruno, sonhe... fantasie... e essas fantasias o motivarão para a frente!!! Bom domingo, nublado... beijos.
Mi Braun

ps. amei teu blog, só consegui vir aqui agora...mas já está favoritado.